O NOVO PDTU PRECISA SER PARTE DA ESTRATÉGIA PARA REVERSÃO DA CARRODEPENDÊNCIA NO DF


Wesley Ferro Nogueira é economista, atualmente é Secretário Executivo do Instituto MDT, e é membro titular do Conselho de Transporte Público Coletivo do DF e do Conselho de Trânsito do Distrito Federal

Em 2009, quando já se encontrava em andamento o processo para elaboração do Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do Distrito Federal (PDTU/DF), posteriormente instituído através da Lei n° 4.566/2011, uma Pesquisa Origem-Destino (POD) identificou que as viagens realizadas por meio do transporte individual motorizado já representavam 40,9% do total, enquanto que o transporte público coletivo contribuía com 35,7% dos deslocamentos diários da população. Passados sete anos, em 2016, uma pesquisa de mobilidade urbana realizada no âmbito dos trabalhos para a produção do Plano de Desenvolvimento do Transporte Público sobre Trilhos do Distrito Federal (PDTT/DF) constatou dois movimentos distintos na nossa matriz modal: um incremento nas viagens feitas por automóveis e motos, que passaram a ser de 49,5%, e uma significativa redução nos deslocamentos feitos pelo transporte público, que caíram para 27,7%. Ao mesmo tempo, confirmou-se o quadro de queda progressiva das viagens feitas a pé, saindo de 32% em 1990, segundo dados da Codeplan, para 20% em 2016.

Agora, quando se discute a atualização do PDTU, em processo que já deveria ter acontecido em 2020, e que está sendo capitaneado pelo Laboratório de Transportes e Logística da Universidade Federal de Santa Catarina (LabTrans/UFSC), contratado pela Secretaria de Transporte e Mobilidade do DF (Semob) para a produção de uma nova proposta, tem-se a previsão, entre outras coisas, da realização de uma nova POD em todo o DF, a partir de uma amostra previamente definida e a ser realizada nos domicílios, visando a identificação de informações sobre a população, a própria residência e as viagens realizadas.

Aguardo com expectativa as informações que serão apuradas nessa Pesquisa Origem-Destino, para que a gente possa dimensionar as mudanças ocorridas em nosso território provocadas pela dinâmica econômica e o crescimento populacional, mas principalmente para a identificação das transformações e os impactos produzidos pela pandemia a partir de 2020. Em todo caso, em relação à nossa matriz modal, desconfio que a POD deverá confirmar a manutenção do protagonismo dos automóveis nas viagens da população do DF, ratificando a presença ainda forte da carrodependência, que infelizmente ainda é apoiada por políticas públicas que priorizam o transporte individual motorizado em detrimento dos modais ativos e o transporte público.

Entretanto, também tenho a convicção de que o novo PDTU poderá ser o tão desejado ponto inicial de ruptura com o nosso modelo vigente, promovendo as necessárias transformações e as mudanças de paradigmas, desde que sejam feitas as tarefas de casa. Tenho dito com insistência, que não basta termos o Plano apenas para cumprir formalidades legais, mas, acima de tudo, é necessário que o PDTU seja o resultado de um processo de diálogo e construção coletiva com a sociedade, quebrando as resistências que naturalmente se apresentam junto a determinados segmentos contrários às mudanças do modelo vigente, e que demonstre de forma clara que o cenário projetado para o futuro se traduzirá em qualidade de vida que beneficiará o conjunto da população, e não apenas aqueles setores com maiores índices de mobilidade urbana, em função da renda que possuem, como é a realidade hoje.

Nesse sentido, é imprescindível a definição de uma estratégia eficaz de comunicação com a sociedade durante todo o processo de produção do novo PDTU, não se reduzindo somente aos eventos oficiais previstos, como oficinas, consultas e audiências públicas, mas criando canais transparentes, ampliados e permanentes de diálogo para a desconstrução de mitos e a inserção da abordagem sob a perspectiva de uma mobilidade urbana sustentável. A oposição às mudanças é previsível e ela sempre existiu em todas as cidades que decidiram mudar os paradigmas, mas o diálogo e a implementação das novas ações vão mudando o quadro.  

A criação dessa ambiência política para a implantação de mudanças de conceitos também vai depender muito da capacidade de tomada de decisão da gestão pública. Sem a decisão e a vontade política do GDF, sem a efetiva inclusão como prioridade em sua agenda e se não contar com a sua capacidade de articulação com os outros poderes institucionais para viabilizar o processo de transformação, o novo PDTU corre o risco de ser, mais uma vez, apenas uma carta de boas intenções sem produzir resultados concretos. O que seria extremamente frustrante.

Lembro que o Plano Diretor de 2011 já trazia vários elementos que apontavam em direção a um novo perfil de mobilidade urbana para o DF, quando defendeu objetivos e diretrizes como a redução da participação do transporte individual motorizado, a priorização do transporte público e dos modais não motorizados, a regulação das vagas de estacionamento, a acessibilidade, e até mesmo a implantação de um sistema integrado de transporte público coletivo entre o DF e a região do Entorno, sinalizando com a perspectiva de uma rede metropolitana. Entretanto, pouco se avançou e o modelo sustentável de mobilidade urbana ainda não é a nossa realidade, vide o protagonismo e a resiliência da carrodependência em nosso território.    

Outro aspecto que chama atenção no cenário atual é o fato de que dois instrumentos estão sendo previstos como resultado final do processo: além da própria atualização do PDTU, com a produção de um novo documento, também há a previsão da elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PlanMob). Não tenho dúvida de que ambos Planos estarão alinhados com as premissas da Política Nacional de Mobilidade Urbana, mas tenho dúvida se realmente seria necessária a geração de dois produtos com risco de sobreposição, até porque pode não haver clareza em relação aos limites de atuação de cada um deles. Será que o PDTU vai se restringir a estabelecer as linhas estratégicas, definindo princípios, objetivos e diretrizes da política de mobilidade urbana para o DF, enquanto o PlanMob, como braço operativo, se encarregará da fixação de metas, indicadores, prazos, responsabilidades e mecanismos para acompanhamento, avaliação e fiscalização do cumprimento das ações programadas?    

Antes da entrada em vigência do PDTU e do PlanMob, e como parte integrante do esforço para reforçar a abordagem junto à sociedade acerca da necessidade de reversão do modelo baseado na carrodependência, avalio ser extremamente importante o protagonismo do GDF, via Semob, para a adoção e a implantação de outros instrumentos de gestão da política de mobilidade urbana, como o Projeto Zona Verde, com a previsão da cobrança de estacionamento em vias urbanas, a taxação pelo uso do sistema viário e a captura da valorização imobiliária decorrente de obras estruturais de transporte público, como a expansão do metrô em Ceilândia e Samambaia e a implantação dos corredores dos BRTs Norte, Oeste e Sudoeste.

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