Opinião: O superávit recorde de 2023

João Alfredo Lopes Nyegray*


A força e pujança do agronegócio brasileiro estão demonstrando novamente seu potencial: se as estimativas do IBGE se confirmarem, teremos uma safra recorde de mais de 310 milhões de toneladas. Esse número representa um aumento de quase 20% em relação a 2022, ou cerca de 50 milhões de toneladas a mais. Como se isso por si só já não fosse impressionante o suficiente, é a primeira vez da história em que a safra brasileira superará as 300 milhões de toneladas.

Mas isso não é tudo: a balança comercial, que é uma medida econômica que registra o valor das exportações e importações de bens e serviços durante um período específico, também tende a bater um recorde. Em economia, o termo “superávit” é usado para indicar que um país está exportando mais do que importa e, com isso, acumulando reservas em moeda estrangeira. Superávits são considerados positivos, pois podem fortalecer a moeda local, reduzir a dívida externa e estimular o crescimento econômico.

Em virtude da safra recorde, o Brasil já acumulou um superávit de US$ 62,4 bilhões entre janeiro e agosto de 2023 – um expressivo aumento de 43% ante ao mesmo período do ano passado. As estimativas dão conta de que até o final do ano podemos chegar ao patamar de US$ 90 bilhões de superávit, o que seria uma marca inédita desde que esses números passaram a ser monitorados em 1989.

Dentre os itens mais exportados pelo agronegócio estão não apenas a soja, mas também o milho e a celulose. Em virtude tanto da guerra comercial entre Estados Unidos e China, quanto da guerra na Ucrânia, os produtos primários brasileiros tiveram um aumento na  demanda no exterior, o que contribuiu para a alta nas exportações. Eis aqui mais um ponto a se comemorar: o superávit vem de um aumento na produção, e não apenas de um aumento nos preços dos itens que mais exportamos – ainda que as importações tenham caído cerca de 10% quando comparadas a 2022.

Tradicionalmente, os preços das commodities variam. Com essas oscilações – que são absolutamente normais –, países que dependem apenas da exportação desses itens tendem a ter economias consideradas mais voláteis. Os preços das commodities são notoriamente menos estáveis e podem ser afetados por uma série de fatores, como condições climáticas, geopolítica, demanda global, oferta e política de governos produtores. Essa volatilidade é inerente a esse mercado e pode levar a variações abruptas nos preços. Mas não foi o que ocorreu neste ano com as exportações brasileiras, uma vez que o superávit ocorreu em virtude de um aumento na produção, e não das oscilações de preços.

No entanto, há que se ter cautela, pois quando a economia de um país depende fortemente da exportação de commodities, ele se torna altamente dependente das oscilações nos preços. Isso significa que qualquer mudança significativa nos preços internacionais desses itens pode ter um impacto direto e substancial na economia e na saúde financeira de uma nação. Por isso, a diversificação econômica é tão relevante.

O que se percebe no Brasil atualmente, por isso, inspira cuidados: de acordo com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), nos anos 2000, a indústria era responsável por aproximadamente 50% de nossa pauta de exportações, contra aproximadamente 29% atualmente. Isso mostra um processo já conhecido dos brasileiros: a desindustrialização, fruto não apenas do envio da produção de centenas de áreas para a Ásia, mas também da perda de competitividade da economia brasileira.

A indústria não apenas diversifica a base econômica de um país, como também tende a gerar uma alta quantidade de empregos qualificados. Além disso, a industrialização frequentemente leva a avanços tecnológicos, uma vez que as empresas buscam maneiras de produzir de forma mais eficiente, estimulando a inovação e tornando o país mais competitivo globalmente. À medida que as indústrias se modernizam e adotam tecnologias avançadas, demanda-se de trabalhadores mais qualificados, o que – por sua vez – incentiva o investimento em educação e treinamento, elevando o nível de habilidades da força de trabalho, o que é benéfico para a economia como um todo.

Ou seja, por mais que o agronegócio brasileiro siga dando exemplos de produtividade, uso de tecnologia e inovação, há que se pensar em formas de manter o Brasil diversificado e industrializado. Se considerarmos que a China é cliente de praticamente um terço das exportações brasileiras, a não diversificação da pauta econômica somada a uma alta dependência de um grande cliente podem ser nocivas a longo prazo. Cabe ao governo ouvir os clamores de longa data do setor industrial, não apenas em relação à reforma tributária, mas também por melhorias em infraestrutura e desburocratização. O Brasil ainda enfrenta o desafio de lidar com mais de 3.600 regras aduaneiras diferentes e ocupa apenas o 26.ª posição entre os maiores exportadores  do mundo. Só assim, os superávits recorde se tornarão frequentes.

*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior e do Observatório Global da Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray


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