João Alfredo Lopes Nyegray* |
Recentemente, a convite do Brasil, reuniram-se em Brasília os chefes de Estado de 11 países da América do Sul: Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname), Luís Lacalle Pou (Uruguai), Nicolás Maduro (Venezuela) e Alberto Otárola (presidente do Conselho de Ministros do Peru). Essa reunião é mais uma demonstração do novo fôlego do governo brasileiro em seus esforços em política externa. Um dos objetivos do encontro é retomar o diálogo e as iniciativas de cooperação entre os países da região, o que certamente é uma excelente iniciativa e um ponto bastante relevante para que o Brasil volte a ser uma voz ativa em temas internacionais.
Além disso, essa reunião marca o retorno do Brasil à União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), criada no segundo governo Lula em 2008. Essa organização tem como objetivo principal promover a integração física, energética, social e cultural entre os países sul-americanos, além de buscar soluções para os desafios regionais, como a redução da pobreza, a melhoria das condições de saúde, a preservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento sustentável.
As divergências políticas entre os países-membros e a suspensão de algumas nações em alguns momentos foram um desafio para a UNASUL, que vem enfrentando períodos de inatividade ou de atividades paralisadas. Atualmente, todos os participantes da União das Nações Sul-Americanas enfrentam grandes desafios em seus países. A presidente do Peru, Dina Boluarte, assumiu o cargo em dezembro de 2022 após a tentativa de golpe de Pedro Castillo e não veio à reunião por não poder ausentar-se de seu país. Guilherme Lasso, do Equador, bate recordes de impopularidade e governa o país por decretos após ter dissolvido a assembleia nacional do país em 17 de maio deste ano. Assim como Lula da Silva, Boric, do Chile, e Petro, da Colômbia, vêm enfrentando resistências no poder Legislativo de seus países – o que dificulta a aprovação de leis e reformas. Lacalle Pou, do Uruguai, está envolvido numa investigação de espionagem, e seu chefe de segurança foi preso em 2022 por falsificar passaportes.
Além dessas situações, Alberto Fernández não conseguiu conter a desvalorização do peso argentino nem o aumento da miséria, e a economia do país vizinho está no pior estágio em décadas. Por fim, há Nicolás Maduro, da Venezuela, defendido por Lula. Para Lula, as críticas contra o opressivo regime venezuelano são uma narrativa e um preconceito contra o país, e que, mesmo que o país persiga opositores e cace direitos políticos, há sim uma democracia partindo de Caracas.
Ao contrário do que afirma Lula da Silva, segundo o Human Rights Measurement Index (HRMI), os venezuelanos não possuem liberdades políticas, e o país vive em um abismo democrático e de Direitos Humanos. De acordo com o mesmo índice, a situação política da Venezuela equipara-se à de Moçambique. Segundo o HRMI, os venezuelanos sofrem com prisões arbitrárias, desaparições forçadas, execuções extrajudiciais e tratamento degradante. A Anistia Internacional afirma que a repressão do governo venezuelano a opositores pode constituir um crime contra a humanidade. Seria essa a democracia venezuelana à qual o presidente Lula se refere?
Como se isso já não fosse o suficiente para caracterizar Maduro como um ditador, 96% dos venezuelanos vivem em situação de pobreza, sendo que mais de 80% em pobreza extrema. A inflação no país supera os 300%, o salário-mínimo está na casa de R$ 27 mensais, e toda essa situação fez com que mais de seis milhões de venezuelanos tenham fugido do país até o ano passado. Em termos de população deslocada, a Venezuela está apenas atrás da Síria, onde uma guerra civil ocorre há mais de 10 anos.
Esses dados todos mostram um preconceito contra o país? De forma alguma. Esses dados mostram uma política econômica estatista e desastrosa conduzida há mais de uma década por Maduro – e por Hugo Chávez antes dele. Mesmo que essas escolhas econômicas não estejam dando frutos, e ainda que estejam afundando o país e sua pobre e sofrida população, o governo venezuelano a mantém a um elevadíssimo custo humano. Ou seja, não se trata de narrativa ou de preconceito.
É importante sim que o Brasil tenha relações diplomáticas com a Venezuela, especialmente para pressioná-la a resolver as crises que gerou. É também bastante importante que o Brasil esteja retomando o protagonismo na esfera internacional. O que é desnecessário é – isso sim – afagar ditadores por proximidade ideológica.
*João Alfredo Lopes Nyegray é doutor e mestre em Internacionalização e Estratégia. Especialista em Negócios Internacionais. Advogado, graduado em Relações Internacionais. Coordenador do curso de Comércio Exterior na Universidade Positivo (UP). Instagram: @janyegray