Opinião: A geopolítica da saúde de todos nós

João Alfredo Lopes Nyegray*


Até fevereiro deste ano, a grande pauta dos negócios internacionais eram os efeitos da pandemia sobre as economias do mundo. Uma das grandes lições aprendidas após dois anos pandêmicos foi sobre a  vulnerabilidade das cadeias logísticas globais. Dificuldades em carregar e descarregar caminhões, filas em portos, congestionamentos de navios e a falta de contêineres acabaram por elevar preços de produtos manufaturados e de commodities em todo o mundo.

Quando achávamos que a pandemia ficava para trás, e que novos tempos de maior estabilidade estavam no horizonte, a Rússia inicia as ameaças aos ucranianos que, em fevereiro de 2022 tornam-se um conflito de fato. Mais uma vez, o delicado equilíbrio das Relações Internacionais estava alterado. Os efeitos econômicos iniciais da invasão foram os mais óbvios: a alta no petróleo e no gás natural, grandemente exportados pelos países envolvidos no conflito – e iniciada mesmo antes da invasão ocorrer de fato – e, posteriormente, também no trigo e nos fertilizantes.

Muitas empresas aéreas – seja de carga ou de passageiros – alteraram suas rotas para não sobrevoar Rússia ou Ucrânia. Com isso, os custos desse transporte aumentaram e, por óbvio, aumentou também o custo do que é transportado. Há que se ressaltar que, desde o início da pandemia da covid-19, as cadeias logísticas globais já estavam em crise e, atualmente, com combustíveis mais caros e novas rotas sendo necessárias, agrava-se um quadro que já era muito complexo.

Atualmente, três meses após o início da empreitada militar russa, outros efeitos são sentidos por todo o mundo. Nem mesmo doentes e convalescidos escapam de sentir os efeitos das pretensões de Putin: a indústria farmacêutica encara uma inédita falta de suprimentos. Ainda que a Ucrânia e a Rússia produzam poucos itens médicos e de saúde, muitos utilizados pela cadeia produtiva farmacêutica são impactados. É do petróleo que vem o plástico usado em seringas, frascos ou equipamentos médicos no geral. Xisto, alumínio, níquel, titânio, neon e ferro, também muito usados pelo segmento médico-farmacêutico em instrumentos cirúrgicos e dispositivos implantáveis, vinham grandemente de Rússia e Ucrânia. Ou seja: o fornecimento reduziu.

Além de tudo isso, há os lockdowns na China. Shanghai e Shenzen, dois grandes centros de indústria e manufatura que estão às voltas com eclosões de casos de covid-19 e confinamentos rigorosos – fruto da política chinesa de tolerância zero ao vírus. Esses isolamentos e restrições deixaram ainda mais escassos certos produtos, e vêm gerando uma crise na manufatura chinesa que afetou todo o mundo. Foram incontáveis montadoras de automóveis que pararam suas produções por falta de peças chinesas. Agora, é a vez do segmento médico-farmacêutico.

A alta demanda de produtos como paracetamol e dipirona, numa era de combustíveis caros e insumos escassos, esvazia prateleiras de farmácias e desabastece hospitais. O Brasil, que até 2021 importava 90% dos insumos para a produção de medicamentos, é também afetado. Aos fatores já colocados pode-se acrescentar o dólar caro que torna as importações mais custosas. Os medicamentos serão mais um dos itens a pesar na inflação que tanto corrói nosso poder de compra.

Cirurgias eletivas e procedimentos médicos não emergenciais estão sendo cancelados ou remarcados. Uma vez que as grandes empresas produtoras de medicamentos e equipamentos médicos não sabem precisar a normalização nos fornecimentos, não sendo possível prever um desfecho para essa situação. Depois da geopolítica da vacina, nos deparamos com o efeito dominó a partir da invasão à Ucrânia: a geopolítica da saúde de todos nós. Ao que parece, Putin não terá comprimidos para suas dores de cabeça.

*João Alfredo Lopes Nyegray, advogado, formado em Relações Internacionais e especialista em Negócios Internacionais. É coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade Positivo, Doutorando em estratégia.

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