Opinião: Anitta, título de eleitor, censura e as eleições 2022

Francis Ricken*


Assim como no cotidiano a internet mudou nossas vidas, na política é impensável imaginar um mundo sem o uso de ferramentas digitais, ainda mais nas disputas eleitorais em que o ambiente digital foi largamente utilizado para engajar candidatos e expor posições políticas. Tomemos como exemplo a campanha presidencial de 2018, quando um candidato sem muita projeção política até aquele momento, superou candidatos com aparato partidário gigantesco e com tempo de rádio e TV assustadoramente maior. É, sem dúvida, um grande marco na política nacional, que deixa bem claro que candidato sem engajamento é candidato fora da disputa.

Cada vez mais a internet tende a ser o mote das campanhas eleitorais, assim como de campanhas relacionadas a posicionamentos políticos como o que vimos nos últimos dias:  campanhas para que jovens entre 16 e 18 anos façam o 1.º título de eleitor, e a decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre as manifestações políticas no festival Lollapalooza. Em ambos os casos, tivemos uma explosão gigantesca de buscas, debates e produção de vídeos nas principais plataformas digitais, que colocaram os termos “1.º título de eleitor”, “Lollapalooza censura” e “Lollapalooza fora Bolsonaro” entre os mais procurados na principal ferramenta de buscas mundial.  

Sobre a campanha de estímulo ao cadastro eleitoral e de retirada do primeiro título de eleitor, tivemos uma movimentação muito intensa de influenciadores digitais e de artistas com bom acesso ao mercado jovem, que acabaram produzindo materiais ou impulsionando vídeos e debates sobre o tema. O movimento gerou números animadores para a Justiça Eleitoral, já que, duas semanas atrás, tínhamos o menor contingente histórico de retirada de título de eleitor entre jovens desde a redemocratização, entretanto, com a repercussão do tema na internet registrou-se a retirada de quase 100 mil títulos pela população de 15 a 18 anos de idade, um recorde histórico. Nesse momento, ponto para Anitta que “envolveu” a música e a política nacional em uma campanha de engajamento que a Justiça Eleitoral foi incapaz de fazer.

Tivemos também a decisão do TSE acerca de manifestações políticas por artistas no festival de música realizado em São Paulo. O Partido Liberal, do candidato à reeleição Jair Bolsonaro, pediu providências por suposta campanha antecipada nos shows das cantoras Pabllo Vittar e Marina Sena. A manifestação do tribunal de instância superior foi para proibir tais supostas condutas, com a imposição de multa de 50 mil reais a cada manifestação dos artistas. Não preciso nem dizer que a decisão monocrática do ministro do TSE, Raúl Araújo, foi como "jogar gasolina" em uma fogueira, mobilizando mais que limitando, e gerando a sensação de censura nos artistas que se apresentavam no evento. Somado a isso, tivemos ainda a confusão gerada por conta da indicação de endereço comercial e CNPJ inexistentes por parte dos advogados do PL, tornando ineficaz a aplicação da decisão da Justiça, fato curioso, se não, engraçado. A medida proferida pelo TSE apresentou como justificativa a propaganda eleitoral antecipada, o que, aparentemente, não se caracterizou, afinal, a manifestação de artistas com críticas ao governo, falas ácidas ao presidente e incentivo ao alistamento eleitoral são diferentes de pedir votos para um determinado candidato. Em consequência dos acontecimentos da semana, o movimento “Cala boca já morreu”, que surgiu impulsionado pelo influenciador Felipe Neto, com objetivo de debater a censura expressa ou implícita no ambiente digital, voltou à tona e tomou corpo no Lollapalooza. A saída jurídica do partido do presidente foi um tiro pela culatra, principalmente para quem se gaba de ser bom com a arma em punho.

A campanha eleitoral de 2022 promete ter um tom cada vez mais digital, afinal, é impossível imaginar a política longe das grandes plataformas e redes sociais, e o candidato que melhor engajar terá vantagens que, somadas ao corpo a corpo da campanha de rua, colocará em destaque o futuro vencedor.

*Francis Ricken é advogado, mestre em Ciência Política e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).

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