Sou professor e, ao contrário do que rezam as lendas urbanas disseminadas em milhares de grupos de WhatsApp, tenho trabalhado para além de minhas forças. Mas terei, a partir de hoje, uma semana de folga e, desde já, penso nesse espaço de far niente que se apresenta no meu horizonte imediato. E a pergunta que me achaca é: o que fazer no período de não fazer trabalho?
Ouço meus alunos e eles me dizem: “vamos dormir muito, assistir séries e jogar video game". Ou seja, deixar a mente em suspenso, sem atividade, apenas consumindo imagens e fazendo gestos determinados pelos brinquedos eletrônicos. Ensimesmo-me. O que há de diferente nessas atividades programadas para a semana de férias, do cotidiano de suspensão da mente, consumo de imagens e gestos determinados?
Walter Benjamin afirmou que o fim das narrativas está ligado à incapacidade de as pessoas transmitirem suas experiências. Na verdade, as pessoas não vivem mais experiências, mas consomem tutoriais, que marcam em suas agendas e registram em seus instagrans com frases do tipo: “a vida é para se viver”. No entanto, pouco se vê da marca de seus dedos nas obras que julgam ser autores, mas apenas o cumprimento da lista absurda do “100 coisas que você deve fazer antes de morrer”.
Imagino o espaço do não fazer nada como um espaço de escolhas que impliquem uma expansão da minha subjetividade no mundo. E a pergunta desafiadora é: como ficarei depois de fazer isso, ou aprender isso, ou escrever sobre isso, vivenciando e, ao mesmo tempo, pensando sobre os efeitos dessa parcela de vida em mim, nos registros dos meus afetos e nas transformações do meu corpo e da minha maneira de pensar e agir?
Em uma carta para seu amigo Gershon Sholem, Walter Benjamin afirmou que o Messias se apresenta não com uma entrada dramática, um grande gesto teatral, com música alta e fumaça abundante, mas com os pequenos gestos, como o deslocar de uma xícara de lugar.
Deslocamento, parece-me essa a chave para uma boa semana de férias. Eu escolho um deslocamento do meu corpo e da minha mente das posições estabelecidas pelas rotinas e pelas necessidades mediadas pelo dinheiro. Promovo uma espécie de reencontro com partes do meu corpo e da minha razão que só com a distração da repetição cotidiana eu tenho a chance de realizar.
A aposta é voltar para o trabalho com mais um pouco de mim para dividir, carregando na minha memória e no meu corpo narrativas mais ricas para transmitir e expressar.
Agora, imagina se todos os meus alunos e alunas aceitassem esse conselho e buscassem, para si, escolhas de experiências com outras pessoas, lugares, textos, imagens, sons, sabores que acrescessem, modificassem, surpreendessem seus “eus”, tornando-os mais densos e intensos? Que festa de reencontro teríamos?
Ficam alguns itens que já estão na minha lista: assistir ao curso de narrativa do escritor Afonso Cruz, que comprei há semanas e já degusto por antecipação as duas horas que passarei com ele e com seus ensinamentos; ler as entrevistas que o jornalista Osvaldo Ferrari deu ao escritor Jorge Luís Borges, na edição de livrinhos belíssimos, com letrinhas miúdas, feitas pela editora Hedra; ir a Urubici e comer uma truta na manteiga e tomar um vinho Thera, respirando o ar frio da montanha; caminhar uma hora por dia ouvindo o podcast Agora, agora e mais agora, do pensador português Rui Tavares e deliciar-se com seu sotaque e sua erudição sem fim; reencontrar meu filho que voltou da Inglaterra depois de 9 meses e cheirar seus cabelos e abraçá-lo como quem quer tatuá-lo em sua alma e depois ouvi-lo contar histórias e planos e fazer com ele um belo jantar. Amar ainda mais minha companheira, inventando jeitos de expressar o que sinto (sempre diferente) toda vez que cruzo meu olhar com o dela.
O tempo de ócio não é um tempo de vazio. É como o barro para o oleiro. Não é só um monte de lama. É a vida esperando a mão de seu criador.
* Daniel Medeiros é Doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.
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@profdanielmedeiros
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