A confirmação do Brasil como sede “tapa buraco” da Copa América 2021 é a plena demonstração de um governo que se preocupa com o desimportante. Enquanto países desenvolvidos estão focados na aquisição de vacinas, construção de planos de controle da Covid-19 e a retomada econômica pós-pandemia, o Brasil tem focado na perfumaria mais barata. É bem possível que sediaremos a competição, obviamente, sem público nem grandes divisas para quem sediá-la. Colômbia e Argentina, as antigas sedes, deram um jeito de abrir mão do evento, justificando a decisão em dificuldades políticas e sanitárias para o recebimento de delegações internacionais em plena pandemia mundial e, assim, passaram a “bola furada” para a organizadora, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), que tratou de procurar um governo que se interessaria por esse evento insignificante e que seria capaz de arcar com os danos e impactos da Copa América 2021. Adivinhe quem respondeu com entusiasmo? O entusiasmo que faltou aos membros do governo para responder às grandes farmacêuticas em 2020 e 2021 sobrou para dar pleno atendimento aos interesses da Conmebol.
O negacionismo do presidente Bolsonaro é tão patológico que contaminou todos os membros do seu governo, ocasionando a disseminação de posturas avessas à realidade mundial. Enquanto o mundo investe em vacinas, investimos em tratamentos ineficientes; enquanto o mundo se fecha, nós nos abrimos; enquanto os governos investem fortemente em sua economia, não temos planos concretos de proteção para esse setor. O desastre está por se avizinhar, principalmente quando Estados Unidos e China estiverem com a população vacinada e em plena retomada de atividades – e nós estivermos disputando vacinas com países periféricos em âmbito mundial.
As provas da incapacidade de gestão da pandemia por parte do governo federal se acumulam na CPI da Covid-19, juntamente com o número de pessoas mortas pela doença e o colapso da saúde pública e privada no Brasil, mas nada parece sensibilizar o presidente, os militares, os ministros ou o Congresso Nacional. Ninguém parece ter coragem de demonstrar insatisfação suficiente para sobrestar as práticas de um governo que se sensibiliza com a Copa América. O desastre gerado pela pandemia é grandioso e vai ser sentido em breve, com o colapso de famílias, crise na Previdência Social, dificuldades na retomada econômica, inflação, desemprego, crise na saúde e na educação pública. É como se estivéssemos passando por uma guerra de grandes proporções sem condições de responder aos ataques.
Mas não se surpreenda se o governo recuar e desistir de ser a sede do evento da Conmebol. O governo Bolsonaro é volátil e especialista em criar desencontros de informações que servem de combustível para mais medidas sem sentido e paliativas, de cunho eleitoral – afinal, o problema não é vencer a pandemia. O objetivo é a manutenção do poder e a perpetuação política, é a vitória em 2022, e se, no meio do caminho, estiverem milhares de mortos ou colapsos econômicos, isso é mero detalhe.
O sim para a Conmebol é apenas mais um sintoma da doença que assola nossos políticos há alguns anos, que é a conivência com um governo ineficiente e sem articulação. Somos excelentes para sediar a Copa América, mas incapazes de perceber o que está acontecendo dentro do nosso país.
*Francis Ricken, advogado e mestre em Ciência Política, é professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).