Acabou o lixão, e agora?

O fedor que incomodava os moradores acabou, mas o fim do lixão também trouxe consequências ruins


Estrutural vista pela Via Estrutural DF 095, Estrada Parque Ceilândia

Ao entrar pela via principal, na altura da rodovia DF-095 (Estrada Parque Ceilândia), que interliga a cidade do Cruzeiro a Taguatinga, nos deparamos com uma cidade que até hoje é conhecida por um lixão que já não existe mais. As ruas principais abrigam farmácias, mercado, lojas de sapatos, papelaria, igrejas e até uma feirinha bastante popular naquele local. Bem perto está o 15º Batalhão da Polícia Militar, que por sinal é bastante movimentado durante todo o dia.

Em uma quarta-feira aproximadamente às 15h30 até que há bastante gente nessa rua principal. Mas adentrando a cidade, não há tanto movimento assim. Exceto pela presença de três catadores, trabalhando por conta própria. Bem pertinho do antigo lixão, eles separam resíduos para conseguir uma renda um pouco melhor para sustentar suas famílias. Esses resíduos se encontram jogados pelos próprios moradores em uma área imprópria, já que não há mais um local fixo para isso.

Cidade Estrutural, aquela que antes era invasão, hoje participa como 25ª região administrativa do Distrito Federal, fazendo parte do SCIA, juntamente com a Cidade do Automóvel. A Estrutural teve início nos anos 60 e nesse tempo muito coisa mudou. Possui água encanada, luz elétrica e asfalto. A cidade não é mais caracterizada pelo mau cheiro do lixão. De acordo com a última pesquisa realizada pela Codeplan, há aproximadamente 39 mil habitantes na cidade. A principal atividade econômica é o comércio nas principais avenidas (Luiz Estevão, Deputado José Edmar e 9 de Julho) e nas entrequadras.

O famoso lixão da Estrutural foi desativado em janeiro de 2018. E, desde então, algumas coisas mudaram na região. Moradores se alegram com a retirada do lixão, por conta dos perigos e do mau cheiro que afetavam a população. “Era bem ruim quando havia o lixão. O local é longe da minha casa, mas o odor, às vezes, chegava até aqui! Era bem desconfortável”, comenta Ana Caroline Ribeiro Sousa, de 23 anos, estudante de Fonoaudiologia na Universidade de Brasília, mora na cidade desde quando nasceu em 1995.

Não só o fedor que incomodava os moradores, mas também a sujeira, os mosquitos, a contaminação. Uma senhora, que não quis se identificar, trabalha por conta própria com reciclagem de resíduos, e mora próximo ao local onde o lixão funcionava. Diz que quando chovia, ninguém conseguia dormir, pois o fedor do lixo se agravava. Entretanto, há outros pontos do funcionamento de uma cidade a serem observados. Será que se pode afirmar que as coisas melhoraram após a retirada do lixão? Não. Afinal, os catadores perderam suas fontes de renda.

Henrique Silva tem 54 anos, mora na Estrutural desde 2004 e era um desses catadores que tiveram que buscar outra forma de sobreviver. Hoje, trabalha na rua central da cidade vendendo eletrônicos usados e o que mais aparecer. “Desde que tiraram o lixão, a economia da cidade caiu muito, diminuíram bastante as vendas e isso é ruim demais. Infelizmente, só ficou na promessa de que iam contratar os catadores do lixão. Eu mesmo trabalhava na lixeira seca e desde o fim do lixão eu tô trabalhando com isso aqui, tentando sustentar minha família”, diz Henrique.

Morador da Estrutural Henrique Silva, ex-catador do lixão, vende eletrônicos usados, sua nova fonte de renda

Situação dos catadores

Após o fechamento do lixão, mais de três mil toneladas de resíduos domiciliares urbanos deixaram de ser depositados na Região Administrativa da Estrutural, sendo redirecionados ao Aterro Sanitário de Samambaia, de acordo com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente. A secretaria afirma que boa parte dos catadores de materiais recicláveis que antes trabalhavam em cima do maciço de lixo, hoje está contratada e trabalha em Instalações de Recuperação de Resíduos, ou na coleta de resíduos recicláveis. O SLU completou essa informação dizendo que de 0316 catadores, 614 trabalham nos galpões de coleta.

Alguns catadores, que não quiseram dizer seus nomes, explicaram as suas atuais situações depois do que aconteceu na região. “Aqui, eu tô vendendo pra Capital Reciclagem, por conta própria. Por exemplo, o quilo do papelão é 25 centavos o do plástico branco também, a latinha é 3,50, a sucata e o ferro velho são 40 centavos. Aí eu junto e vou lá vender. Porque na cooperativa, se a gente estivesse trabalhando, e só um de nós trabalhasse de verdade e os outros ficassem olhando, mesmo assim todos ganhariam o mesmo. Por isso, tem muita gente saindo de lá e outros continuam se escorando, sem trabalhar e isso não é justo”, afirmam.

Um dos porteiros do antigo lixão, que preferiu não se identificar, conta sobre os pontos positivos e negativos de um catador trabalhar em uma cooperativa. “Alguns catadores conseguiram emprego nas cooperativas, mas tem uns que acham o salário muito pouco comparado com o que ganhavam aqui no lixão. Só que nas cooperativas eles correm menos riscos de pegar virose ou algo do tipo por causa do lixo. E o trator também, porque eles avançavam antes do trator espalhar os resíduos, era bem perigoso”. No lixão, os catadores ganhavam mais de 500 reais por mês, enquanto em algumas cooperativas ganham 19 reais em uma semana, de acordo com relatos.

Local onde se encontrava o lixão da Cidade

A Secretaria do Meio Ambiente afirma que elaborou um Termo de Referência para a elaboração de um Diagnóstico de Contaminação e Proposta de Remediação do lixão da Estrutural e sua área de remediação. Os estudos realizados avaliam toda a extensão da contaminação do solo, água superficial, água subterrânea e ar. Os dados obtidos aparam essa Secretaria e os órgãos a ela vinculados para combater os passivos ambientais gerados pelo lixão e avaliar a melhor proposta de recuperação da área.

Segurança e o comércio da cidade

Outro ponto a ser considerado é a violência. O 15º Batalhão da Polícia Militar colabora bastante com a segurança da cidade, entretanto nas ruas mais afastadas do centro a violência continua grande. O morador da Comunidade Santa Luzia, na Estrutural, Elilton Moura, de 20 anos, trabalha em uma loja de calçados na avenida principal, e comenta que a violência continua do mesmo jeito. “Em relação à segurança continua a mesma coisa, mas tinha gente que fazia coisa errada, trabalhava no lixão pra comprar droga e como fechou eles saíram e começaram a roubar”.

De acordo com estatísticas divulgadas pela Subsecretaria de Gestão da informação da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Distrito Federal, a criminalidade aumentou na cidade Estrutural, entretanto varia de ano em ano. Por exemplo, em 2014 houveram 17 homicídios e em 2018 foram 20, sendo que em 2019 ocorreram 6 homicídios.O número de estupros em 2016 foram 23, 2017 foram 22 e 2018 foram 17. Entre outros como uso e porte de drogas, roubos, posse de arma e tráfico.

15º Batalhão da Pol’icia Militar que se encontra na avenida principal da Estrutural

Em relação ao comércio fixo da cidade, Dásio Porto, dono de uma farmácia no centro aponta que para seu tipo de negócio não houve mudanças após a retirada do lixão. “Pra nós não mudou nada, porque nosso foco é mais o centro aqui. Quem deve ter sofrido mais é o pessoal da periferia mesmo. Quem tem maior poder aquisitivo, que mora ali na Hípica vem comprar aqui. Antes eles tinham medo, mas agora com o Batalhão da Polícia Militar eles vêm direito comprar aqui. As pessoas veem que o lixão acabou e isso dá uma valorizada nos imóveis, chega gente nova e o pessoal começa a investir mais”.

Dásio Porto, dono da Drograria Porto, na Estrutural 

O transporte e a educação

A Secretaria de Transporte e Mobilidade disse que o DFTrans (Transporte Urbano do Distrito Federal) informa que há uma frota alocada de 16 veículos com um total de 153 viagens por dia, nos dias úteis na Estrutural. Além disso, há algumas linhas específicas que saem das cidades satélites e que também atendem a Cidade Estrutural.

Apesar disso, alguns catadores apontam que os cidadãos que moram perto da área do antigo lixão são prejudicados com a falta de ônibus, que quase não passa naquele local. “Esses moradores moravam lá em cima, na quadra 12. Aí removeram dizendo que iam passar a pista lá e não fizeram pista nenhuma. Então outras pessoas invadiram o mesmo lugar e estão lá até hoje. E pra cá perto do lixão é tudo pior, não tem mercado, não passa ônibus, e as casas são tudo pequenininhas”, comenta Davi, ex-catador do lixão, que não quis dizer o sobrenome.

Grande fluxo de transportes públicos na avenida central da cidade



A educação na cidade tem melhorado. A Secretaria de Estado e Educação informou que a rede pública de ensino atende cerca de 6 mil estudantes da região. E que no plano de obras da Secretaria consta a previsão de construção de duas creches públicas na cidade, uma na quadra 03 e outra na quadra 07. “Os projetos de arquitetura estão prontos. A pasta aguarda agora os projetos complementares e posteriormente a definição de orçamento para as obras”, aponta a Secretaria por meio de nota, concluindo que ainda não há data definida para a inauguração das unidades.

Escola Classe 1 da Estrutural

A moradora Maria Josseniss da Cruz Santos foi para a Estrutural em 2005 e ressalta que a educação caminha para a melhoria, mas falta muito. “Aumentou o número de escolas, mas ainda não é suficiente para a população, porque ainda tem muitos alunos indo estudar no Guará e no Cruzeiro. Aqui na Estrutural, além do meu filho, tem mais jovens estudando pra Medicina, mas ainda vemos muitos jovens sem estudar, os quais se entregaram às drogas. Mas creio que isso pode ser amenizado com um olhar do governo de forma diferente, com um plano de incentivo. Quem sabe essa parte mais carente da Estrutural poderia viver uma história diferente da que tem vivido, né?!”, afirma Maria.

Quemuel Henrique Cruz Santos, de 24 anos, é filho da moradora Maria Santos. Ele estuda Medicina na ESCS (Escola Superior das Ciências da Saúde) e mora na Cidade Estrutural. Ele reconhece a importância do lixão para os primeiros moradores, mas conta que os novos cidadãos não procuraram a região por conta do lixão. Pelo contrário, com a retirada houve a valorização do local. “As pessoas novas que vieram morar aqui por causa do lixão e sim por conta do preço dos imóveis e da localização”, pontua. Uma pesquisa em sites oficiais de imóveis pontua preços entre 57 e 220 mil reais dependendo da quadra e tamanho do lote.

Há muito ainda o que melhorar na região, e o fator principal para os cidadãos é o emprego, como comenta Fernando de Almeida, de 29 anos, que trabalha na feira da Estrutural, vendendo frutas e verduras. “Pra melhorar a cidade precisa de mais emprego pro povo”. O catador Rodrigo, que não quis informar seu sobrenome, complementa: “Pra melhorar a situação da Estrutural precisam gerar muito emprego, empregos pros adolescentes também, mais colégios, esportes, porque a maioria dos jovens estão perdidos. Os empresários podiam ter um desconto nos impostos e abrir uma cooperativa nesse sentido, que todo mês pagasse uma porcentagem pra um projeto social e educativo para os jovens, daria muito certo se o governo levasse a sério, as coisas iriam melhorar, porque hoje os jovens aqui ficam muito a mercê, por isso acontece tanta coisa ruim”.

A história da Cidade Estrutural

A Cidade Estrutural começou, assim como o lixão, em 1960. Era uma invasão de catadores de lixo, depois da inauguração de Brasília. Em 1990 a invasão, que possuía quase 100 moradias ao lado do lixão foi transformada em Vila Estrutural, pertencente à Região Administrativa do Guará. Passou por mudanças e hoje é uma cidade estruturada como outras do Distrito Federal. O lixão ficou regionalmente conhecido, mas agora que ele foi retirado, a cidade deve ser atendida para que haja um novo legado.

Rua próxima ao antigo lixão da cidade





























Portal Cidades e Condomínios por Jornalista Rebeca Guimarães Pereirra Sugestão de pauta: cidadesecondominios@gmail.com #Cidades #Condomínio  #CidadeseCondomínios

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