Saiba como lidar com os condôminos que querem fazer dos corredores uma extensão da sua residência
É de conhecimento geral: as áreas comuns são propriedades do condomínio e, por isso, não devem ser utilizadas para o interesse particular de um ou mais condôminos. Destinados ao uso coletivo, esses espaços não podem ser alienados ou alterados sem prévia e expressa autorização. A regra é clara e vale para todos os ambientes comuns: playgrounds, garagens, escadas, terraço da cobertura e também para os corredores.
Alguns condôminos, entretanto, não respeitam o caráter coletivo dos halls de acesso às suas unidades. Por fazerem “fronteira” com os apartamentos, alguns condôminos ficam tentados a tratar os corredores como extensão de sua residência. Na maior parte das vezes, a intenção é boa: querem dar vida à área, melhorar o seu aspecto, torná-la mais acolhedora às visitas e com uma decoração mais pertinente. Com esses objetivos em mente, penduram quadros decorativos na parede, planejam pinturas com cores e texturas diferenciadas, ornamentam as portas de entradas das unidades com vistosos vasos de plantas etc.
Embora pareçam ingênuas, essas alterações comprometem a harmonia estética do condomínio e, mais do que isso, são proibidas por lei: o artigo 1.331 do Código Civil determina que, como qualquer outra área de uso comum, esses ambientes só podem ser alterados mediante autorização da Assembleia de condôminos e prevê multa aos condomínios que negligenciarem a resolução. “As áreas dos corredores são tão comuns quanto fachadas e escadas e, por isso, somente a Assembleia de condôminos pode aprovar alterações ali. Se a modificação for desnecessária ou, como chama a lei, voluptuária, a aprovação acontecerá apenas mediante quorum específico de dois terços dos condôminos. Se, pelo contrário, a alteração for uma benfeitoria útil, pode ser aprovada pela maioria simples dos proprietários”, ressalta Carlos Eduardo Picanço, consultor jurídico da Schneider Associados.
O advogado conta que uma das alterações mais constantes e, por conseqüência, mais problemáticas é a substituição da porta de entrada. Por estarem no limite da unidade, muitos condôminos consideram que a porta, mais do que qualquer outro item, lhes pertence e, portanto, pode ser modificada de acordo com sua vontade. “Mas as portas que estão posicionadas para área comum do condomínio são consideradas igualmente coletivas e servem exclusivamente ao condômino”, alerta Carlos Eduardo.
O síndico deve prezar pelo cumprimento da lei nos condomínios de um apartamento por andar, inclusive. Nesses edifícios, a aura privativa do corredor é ainda mais forte, já que apenas os condôminos da unidade transitam pelo espaço. Em alguns casos, a Convenção do condomínio admite o caráter exclusivo e lista algumas alterações permitidas. Ainda assim, há de se ter cautela: nem todas as mudanças são liberadas. Segundo Carlos Eduardo Picanço, “a Convenção somente pode autorizar modificações que não interfiram nas características estruturais do edifício. Por exemplo, não seria possível mudar os locais originais das portas ou suas dimensões”.
A preocupação com a manutenção da harmonia estética dos corredores não é gratuita. Especialistas garantem que a estética do condomínio valoriza e influencia a decisão de um potencial comprador da unidade. A beleza, a ordem e a organização podem elevar preços e atrair compradores. Reside aí a importância de manter as áreas comuns — os corredores, inclusive — dentro de padrões estéticos comuns.
Síndico deve fiscalizar a área
Os condôminos do Varandas da Vila, edifício com 36 unidades,em Vila Isabel, costumavam fazer alterações nos corredores sem comunicar ao síndico ou pedir autorização à Assembleia de condôminos. Ao assumir a gestão, Paulo Roberto de Magalhães iniciou um processo de correção das irregularidades. “Cada um queria pintar seu andar de um jeito, para parecer mais limpo. No geral, a cor da pintura escolhida não seguia o padrão dos outros andares. Além disso, os moradores ornamentavam o espaço com quadros, vasos, tapetes e espelhos. Em alguns casos, chegavam a colocar objetos pessoais nos corredores, como geladeiras e bicicletas, por não terem espaço em seu apartamento. Se eu deixasse, se não agisse, o corredor ficaria cada vez mais entulhado”, conta o gestor.
A primeira providência tomada por Paulo Roberto foi chamar os condôminos infratores para uma conversa. Explicou as regras e pediu que eles desfizessem as alterações. Nem todos cumpriram, no entanto. Para os mais resistentes, enviou advertências e, com base na Convenção do condomínio, aplicou multa aos irredutíveis.
Hoje, para evitar novos problemas relacionados ao padrão estético dos corredores, faz rondas regulares pelos halls. “Periodicamente, o síndico tem que fazer uma vistoria por todos os andares para checar se não houve nenhuma modificação. Com a ronda, ele consegue verificar também se a iluminação está segura e se não tem nenhum condômino puxando ilegalmente luz do corredor”, sugere.
O reforço na fiscalização não faz do síndico de Vila Isabel um gestor intransigente. Paulo Roberto afirma que todas as alterações permitidas na Convenção do seu condomínio são automaticamente liberadas e, mesmo aquelas que não estão previstas no documento, podem ser aprovadas, desde que todos os vizinhos concordem com a modificação. “Anoto as sugestões e faço uma pesquisa informal entre os condôminos. Quando constato que a ideia já tem um número grande de adeptos, agendo uma Assembleia para votar a mudança. Como os condôminos já estão cientes da possível alteração, as propostas são aceitas e colocadas em prática imediatamente”.
O consenso entre vizinhos de corredor é fundamental para que as mudanças não tragam problemas futuros. Uma vez aprovada a alteração, ela não poderá ser desfeita, ainda que algum condômino insatisfeito argumente que ela fere seu gosto pessoal. O consenso, no entanto, não é suficiente para aprovar toda e qualquer alteração. Há algumas que nem mesmo a vontade democrática pode implantar. “Os corredores não são tão largos assim. Plantas, quadros, vasos, tapetes, enfim, não trazem apenas problemas estéticos, mas a dificuldade de locomoção dos condôminos, visitantes, crianças, pessoas de idade. São facilitadores de acidentes e, por isso, proibidos”, pontua Paulo Roberto.
Voltando atrás
Ao perceber que o corredor de seu condomínio sofreu alterações indevidas, o gestor deve comunicar imediatamente o condômino responsável, solicitando que a mudança seja desfeita. Um vaso de planta, no entanto, é mais fácil de ser removido do que uma pintura nova nas paredes do hall. Da mesma forma, um quadro pendurado exige menos trabalho para ser retirado do que uma grade instalada para isolar determinada área do corredor. Como proceder quando o retorno à condição original não é tão simples?
Segundo o advogado Carlos Eduardo Picanço, o condômino que implantou a mudança deverá removê-la não importa o grau de dificuldade ou o trabalho necessário para isso. “Cabe ao síndico determinar que o morador retorne às características originais do corredor, estipulando prazo especifico para tal. Caso a notificação seja ignorada, o administrador deve aplicar a multa prevista na Convenção do condomínio”. Se a Convenção não informar o valor da pena para esse tipo de infração, o síndico pode recorrer ao Código Civil. O artigo 1.337 prevê multa de até cinco vezes o valor da taxa condominial aos moradores que descumprem seus deveres diante do condomínio.
Paulo Roberto de Magalhães precisou recorrer à punição financeira para resolver o imbróglio gerado nos corredores do Condomínio Varandas da Vila. “Todos os condôminos começaram a discutir entre si e a acusar um ao outro pelas alterações. Como o bom senso não prevaleceu e a negociação não funcionou, todos os envolvidos foram advertidos e multados para regularizarem a sua situação. Assim, puderam enxergar também o seu erro e não somente o erro do outro”.
O síndico de Vila Isabel garante, no entanto, que as multas são exceções em sua administração. No geral, ele tenta se precaver dos descumprimentos das regras com diálogo, comunicação e muita transparência. “O síndico tem uma ferramenta muito eficaz que são as cartas circulares. Ele pode utilizá-las para se comunicar com toda a comunidade que vive no condomínio e, com isso, periodicamente orientar os condôminos sobre os seus direitos e deveres”, pontua.
Outra estratégia eficaz é apresentar a Convenção e o Regulamento Interno logo no primeiro contato com o condômino, assim que ele se muda para o condomínio. Na opinião de Paulo Roberto de Magalhães, o diálogo inicial diminui a probabilidade de problemas futuros. “A gente tem que deixar claro logo de início um fato geralmente muito esquecido: se um condômino do andar modificado, por exemplo, sair do condomínio e o que entrar no lugar dele não concordar com a formatação do corredor, todos terão problemas”. Quanto antes o administrador agir, mais fácil será manter a harmonia estética dos corredores e, por fim, a paz do condomínio.
Texto: Aline Duraes
Foto: Marco Fernandes
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